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Influência de milícia e tráfico nas eleições preocupa governo e Judiciário

A menos de um ano para as eleições que escolherão o presidente da República, governadores, senadores e deputados, o governo esboça preocupação com a influência do crime organizado no processo e com a possível infiltração de políticos ligados a esses grupos nos Poderes Executivo e Legislativo. A possibilidade de que criminosos possam ter participação nas esferas de decisão nacional e local levou integrantes do governo federal e do Judiciário a se reunirem em busca de soluções para barrar essa articulação.O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes, e o ministro da Defesa, Raul Jungmann, se encontraram para discutir o assunto na última terça-feira (10). Para a próxima semana, há a expectativa de uma nova reunião com a participação dos ministros da Justiça e Cidadania, Torquato Jardim, e do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Sergio Etchegoyen, bem como de representantes da Polícia Federal, Receita Federal e Agência Brasileira de Inteligência (Abin).“É uma medida preventiva e absolutamente necessária dada a constatação pelo próprio TSE de que aproximadamente 10% dos eleitores, pelo menos do Rio de Janeiro, estariam sem condições de exercer livremente os seus direitos constitucionais e também de que o crime vem financiando uma representação para os parlamentos sejam eles, municipais, estaduais ou federais”, disse o ministro da Defesa.Para Jungmann, o envolvimento do crime no processo eleitoral é preocupante porque além de impedir a campanha de candidatos que não sejam apoiados por traficantes e milicianos, representantes ligados a organizações criminosas acabarão sendo eleitos.“Evidentemente que se elegendo eles vão participar da disputa dos cargos que vemos no Brasil, que é essa má prática de loteamento de cargos que acontece depois das eleições. Eles vão participar e poder indicar representantes ou aliados em cargos que tomam decisão do próprio aparelho do Estado, ou seja, das próprias instituições, o que eu chamo o coração das trevas”, disse à Agência Brasil.Na visão do ministro, a intenção do crime ao interferir no processo eleitoral é influenciar decisões nas instituições públicas e participar da partilha dos cargos. “Isso vai permitir indicar gerentes, diretores, chefes de área, eventualmente, até cargos na área policial e isso é o que de pior pode existir. As forças de segurança são o núcleo mais duro e mais indevassável que o Estado e as instituições têm, se eles chegam até lá, o crime se infiltra dentro das próprias forças da ordem e da segurança o que obviamente é trágico”, disse.Filha de Beira-MarO ministro comentou ainda a possibilidade de a dentista Fernanda Izabel da Costa, filha do traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, assumir cadeira na Câmara de Vereadores de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Com 3.098 votos, a dentista não foi eleita, mas é suplente do vereador Sebastião Ferreira da Silva, o Chiquinho Grandão. Acusado de participar de milícia, ele teve a prisão preventiva decretada esta semana.“Sem fazer pré julgamento dela, mas para mim simboliza tudo que venho denunciando: o Rio de Janeiro hoje convive com um estado paralelo que captura as instituições seja Legislativo, Executivo e mesmo Judiciário. Isso é um câncer”, completou.Jungman destacou ainda que propôs a criação de uma força tarefa federal integrada pelo Ministério Público, pela Justiça Federal, pela Receita Federal e pela Polícia Federal. “Para que possa, com apoio da parte sã das instituições do Rio de Janeiro, processar, julgar e prender os agentes públicos que foram corrompidos, comprados ou são parte do crime organizado”, disse.Por meio de nota, o vereador Chiquinho Grandão informou à Agência Brasil que não foi notificado do mandado de prisão. Ele acrescentou que foi absolvido de um processo em decisão de primeira instância e está recorrendo também em segunda instância, tanto em Brasília como no Rio de Janeiro, por entender se tratar de uma injustiça.“É, no mínimo, estranho que, mesmo com absolvição, a primeira instância agora faça expedição do mandado de prisão de um habeas corpus que era para ser cumprido em 2015. Tenho certeza de que não cometi nenhum crime; acredito em Deus e sei que a Justiça vai prevalecer contra os interesses de adversários que querem me ver longe do mandato que me foi confiado por 4.358 votos de pessoas que reconhecem e acreditam no meu trabalho”.A Câmara de Vereadores de Duque de Caxias afirmou, também por nota, que não foi notificada sobre um possível mandado de prisão contra Chiquinho Grandão e negou que a filha de Beira Mar vá assumir a suplência imediatamente.A Câmara destacou que, segundo a Lei Orgânica do Município, “o suplente será convocado por prazo superior a 120 dias de afastamento do exercício do mandato”.Disputa por territóriosApesar da preocupação do governo, a disputa por territórios entre facções de traficantes no Rio de Janeiro pode diminuir o interesse desses grupos no apoio a candidaturas para as eleições de 2018, na avaliação do professor do Laboratório de Análise da Violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (LAV/Uerj), João Trajano. Segundo ele, os integrantes das facções, neste momento, estão muito preocupados em definir os comandos das áreas no estado, tornando os confrontos mais intensos.O professor lembrou que na eleição passada, para prefeitos e vereadores, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) realizou fiscalizações para apurar denúncias de candidatos que eram impedidos de fazer propaganda em alguns lugares do estado e tinham que pedir permissão a traficantes e integrantes de milícias para entrar nas localidades. “Essa autorização entre aspas depende muitas vezes de mediações e conversas políticas”, disse em entrevista à Agência Brasil.Para Trajano, atualmente, os conflitos entre traficantes no Rio decorrem de uma “certa bagunça” que vigora no varejo das drogas e isso impede a concentração desses grupos em outros objetivos. De acordo com o professor, as disputas mostram cisões muito profundas e muito acirradas pelo controle de determinados pontos de venda de drogas. Segundo ele, ao mesmo tempo em que mostram o poder de fogo das facções, os confrontos evidenciam a disputa entre si.“A distribuição do comércio de drogas no Rio não está apaziguada e não está organizada, daí os conflitos. Então, talvez isso não seja tão benéfico para a capacidade dos traficantes controlarem, nas áreas onde estão atuando, o comportamento do eleitorado e a sua participação no processo eleitoral. Acho que está em aberto. O contexto não é o mais favorável para esse tipo de intervenção”, destacou.O professor destacou, no entanto, que nas áreas onde os confrontos não são tão intensos, a interferência no processo eleitoral pode voltar a ocorrer, em especial, por parte das milícias, em função do perfil das suas composições e da forma de organização. “As milícias foram e continuam sendo mais efetivas e com maior capacidade de capilaridade em determinado segmento da elite política local”, destacou, apontando que a política municipal é mais visada para a entrada de integrantes das milícias, que conseguem fazer representantes no Legislativo.InfluênciaO Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) informou, em resposta à Agência Brasil, que ainda não há um número de quantos eleitores foram atingidos pela influência do tráfico e das milícias no último processo eleitoral.O levantamento está sendo feito em conjunto com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O órgão confirmou que recebeu diversas denúncias de propaganda irregular, mas não tem como especificar quantas delas se relacionavam a ações do tráfico ou de milícias.Segundo o TRE, “as denúncias recebidas são encaminhadas ao Ministério Público Eleitoral, a quem compete ajuizar eventual ação judicial, se considerar cabível”.AGÊNCIA BRASIL
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